A visão, fator crucial para o equilibrio postural

Publicado em 1 de agosto de 2025 às 11:17

A visão é muito mais do que ver nítido

A maioria das pessoas pensam na visão como uma simples capacidade de olhar para algo ou alguém e ver nítido. No entanto, trata-se de uma das funções visuais mais valorizadas nas nossas atividades cotidianas. Acordar e identificar as horas no despertador ou ler uma lista de tarefas são ações fundamentais para a manutenção da autonomia. Ainda assim, a nitidez representa apenas uma pequena parte do complexo trabalho realizado pelo sistema visual. Por exemplo, ao ler uma lista de tarefas enquanto caminha de maneira equilibrada até a cozinha para preparar o café, o sistema visual executa uma interação refinada com os sistemas proprioceptivo e vestibular. Essa coordenação visuo-espacial e motora, realizada de forma inconsciente, só é possível graças à perfeita sintonia entre esses sistemas, sendo o sistema visual o principal responsável por assegurar o equilíbrio corporal e o desempenho dessas ações.

Como é que o sistema visual interage com os centros de equilibrio?

A relação olhos-ouvidos designa-se reflexo oculo-vestibular (VOR) e é crucial para manter a estabilidade visual durante os movimentos da cabeça. Este reflexo permite que os olhos realizem movimentos compensatórios, opostos aos da cabeça, assegurando uma imagem focada e nítida. Dessa forma, torna possível caminhar, ler ou observar algo sem que a visão se torne instável ou desfocada. Além de estabilizar a visão, o VOR ajusta automaticamente a postura corporal de maneira imperceptível, garantindo a manutenção da estabilidade e da coordenação motora.

 

O sistema visual e vestibular estão em constante interação, transmitindo informações ao cérebro para que ele:

  • Identifique com precisão a ocorrência e a natureza do movimento
  • Realize ajustes adequados nos movimentos oculares
  • Coordene os músculos corporais de forma a manter o equilíbrio

Quando ocorre alguma disfunção no sistema vestibular, o cérebro recebe informações incorretas, o que resulta em respostas oculares inadequadas (desvios oculares). Este processo pode igualmente ocorrer de maneira recíproca.

 

O cérebro de indivíduos com distúrbios vestibulares apresenta uma elevada dependência do campo visual periférico para manter o equilíbrio e a orientação espacial. Por esse motivo, situações de sobrecarga visual podem desencadear sintomas como tontura, desorientação, sensação de vertigem, bem como estados de ansiedade ou pânico. De maneira semelhante, em ambientes de baixo contraste ou com pouca iluminação, a ausência de um "apoio visual" adequado pode resultar em desequilíbrio e sensação de insegurança.

O que ocorre quando há um transtorno no sistema vestibular?

O ouvido interno envia informação anómala ao cérebro resultando em:

  • Desvios ocular sintomáticos
  • Oscilopsia (sensação que o ambiente se move, dando lugar a sintomas de naúseas, tonturas, desfoque)
  • Nistagmo vestibular (movimento involuntário dos olhos)
  • Perda de estabilidade visual

A Visão: Um Ponto de Equilíbrio Esquecido

 

A manutenção da integridade do equilíbrio postural depende da integração funcional de três sistemas sensoriais fundamentais: visual, vestibular e proprioceptivo. Embora o papel do sistema vestibular seja amplamente reconhecido, alterações na função visual podem ter um impacto significativo sobre a estabilidade corporal e a orientação espacial, mesmo na ausência de disfunções vestibulares identificáveis.

Condições como estrabismo, heteroforias não compensadas, problemas de acomodação e de convergência têm o potencial de gerar conflitos sensoriais entre os sistemas visual e vestibular, resultando em dificuldades relacionadas ao equilíbrio postural.

 

Evidência Científica

 

Diversos estudos, incluindo o de Coetzee e Pienaar (2013), demonstram que a terapia visual proporciona melhorias significativas em diversas habilidades oculomotoras, como a fixação visual, a perseguição ocular, o alinhamento ocular e a convergência. Essas melhorias, por sua vez, estão diretamente associadas a uma maior estabilidade postural.

A pesquisa conduzida por Bucci et al. (2015) evidenciou também que os movimentos sacádicos e a leitura possuem influência direta sobre a estabilidade corporal em crianças, promovendo melhorias significativas no equilíbrio.

De forma conclusiva, todos esses estudos indicam uma interdependência funcional entre os sistemas visual, vestibular e proprioceptivo, reforçando que alterações no sistema visual podem comprometer a estabilidade corporal mesmo em indivíduos que não apresentam patologias vestibulares evidentes.

 

Avaliação

 

Em consultas oftalmológicas de rotina, geralmente não são realizados testes profundos da visão binocular. Por essa razão, pequenos desvios podem não ser detetados, principalmente os que se manifestam apenas durante o movimento da cabeça. Considerando que essas alterações podem impactar diretamente a estabilidade visual e o equilíbrio corporal, torna-se altamente recomendável realizar a avaliação por um optometrista com especialização em neurooptometria.

A avaliação neurovisual vai além da análise da acuidade visual. Trata-se de um exame integrado que avalia o desempenho dos músculos oculares, a coordenação binocular e a capacidade de foco dinâmico. Esses fatores são fundamentais para o funcionamento adequado do reflexo vestíbulo-ocular (RVO), responsável por assegurar a estabilidade do olhar mesmo durante movimentos corporais.

 

 

Referências:

Bucci et al. (2015) 10.1016/j.ijdevneu.2015.05.008

Haack et al. (1994) https://doi.org/10.1080/J006v13n04_01

Coetzee & Pienaar (2013 10.1016/j.ridd.2013.08.036