Dislexia e Visão, o que se sabe atualmente?

Publicado em 29 de outubro de 2025 às 11:11

Definição atual da dislexia

Trata-se de um conjunto de dificuldades relacionadas com o processamento que afetam a aquisição de habilidades de leitura e escrita. Não há uma fórmula universal para a avaliação das crianças com dislexia; contudo, o diagnóstico deve ser multidisciplinar, garantindo uma abordagem abrangente que permita apoiar e melhorar as competências das crianças diante dos desafios enfrentados ao longo do seu percurso escolar.

Recente estudo pela Universidade de Birmingham

Segundo o recente estudo realizado pela Universidade de Birmingham e apoiado por mais de 58 especialistas internacionais, concordam que a natureza da dislexia depende das influências genéticas e ambientais afetando a fluência da leitura e escrita. Embora as habilidades fonológicas sejam as mais destacadas, outras habilidades, como matemática, compreensão e aprendizagem de outra lingua, podem estar comprometidas. 

No entanto, as dificuldades fonológicas ( consciência fonológica, memória fonológica e velocidade de processamento fonológico) não explicam totalmente a dislexia. A memória de trabalho, a velocidade de processamento cerebral e as habilidades ortográficas podem contribuir para o impacto da dislexia.

A dislexia frequentemente coexiste com outras dificuldades de desenvolvimento, incluindo discalculia, PHDA, dificuldades  visuais e de coordenação e linguagem. 

Relação entre as dificuldades visuais e dislexia

Para muitas crianças e adultos disléxicos, as dificuldades visuais intensificam o esforço da leitura e compreensão mas não causam a dislexia. Disfunções visuais e as baixas habilidades da perceção visual podem coexistir com a dislexia exacerbando os sintomas ou podem até confundir levando a diagnósticos erróneos.

No Instituto NeuroVisão aparecem casos suspeitosos de dislexia mas que depois de passarem por uma exploração completa de todas as habilidades visuais demonstram disfunções plausíveis de tratar e que justificam a sintomatologia.

As multiplas faces da dislexia

No seguimento anterior, a definição da dislexia atual revela-nos como uma dificuldade fonológica mas que por si só não avalia a dislexia. Muitos indivíduos com dislexia apresentam problemas no processamento das informações visuais levando-os a que tenham uma perceção visual muito parecida com os sintomas da dislexia ( troca de letras ou números, redução da velocidade de leitura, dores de cabeça, erros ortográficos, entre outros).

Estudos recentes descobriram que 35% das crianças com dislexia tinham problemas de insuficiência acomodativa e 55% tinham insuficiência de convergência.

 

Cerca de 75% das pessoas disléxicas apresentam problemas na via magnocelular

John Stein (Universidade de Oxford)

A via magnocelular é a responsável pelo processamento da informação visual, dos movimentos oculares e no foco. Geralmente, as pessoas com dislexia, não processam rapidamente os movimentos oculares o que as faz ver as letras desorganizadas, sobrepostas, trocadas, com sombra e em movimento.

Um importante investigador, John Stein, diz-nos que em cerca de 75% dos disléxicos, os neurónios magnocelulares são menos desenvolvidos ou funcionam de forma menos eficiente, prejudicando a estabilidade binocular, a fuidez dos movimentos oculares e a sequência correta da letras na leitura.

“A dislexia não é apenas um problema fonológico — é um síndrome neurológico multifatorial, onde a visão, a audição e o equilíbrio sensorial desempenham papéis cruciais.”

Quais habilidades visuais são essenciais para a leitura?

É necessário entender as habilidades naturais do Ser Humano como interdependentes entre os diferentes sistemas sensoriais e portanto a função  visual não pode ser dissociada das competências linguísticas motoras e emocionais. Qualquer alteração num dos sistemas impacta no resultado. Se algumas das habilidades visuais essenciais para a leitura está comprometida o resultado do processamento cerebral para a leitura está alterado, tornando-a dificil e desconfortável.

Algumas das habilidades visuais na leitura são as seguintes:

  1. Acuidade Visual ( nitidez do que se está a ver)
  2. Flexibilidade acomodativa ou foco ( permite alternar a visão longe/perto sem esforço e mantendo a nitidez)
  3. Movimento oculares (coordenação binocular essencial para seguir palavras e linhas sem erros)
  4. Visão periférica ( permite a leitura rápida e fluida)
  5. Perceção das cores ( especialmente util em diagramas e ilustrações)
  6. Discriminação visual (identificação de letras muito parecidas)
  7. Memória Visual (Reconheça palavras familiares sem precisar decodificá-las letra por letra)
  8. Memória sequencial (fundamental na compreensão de textos, matemática e assimilação do conteúdo)
  9. Visão espacial (permite visualizar os objetos em 3 dimensões)
  10. Constância perceptiva (permite identificar a mesma letra, número ou palavra independentemente do estilo de grafia)
  11. Fecho Visual (permite identificar uma palavra ou figura mesmo que esteja desfragmentada)
  12. Figura Fundo

Quando aprendemos a ler, o primeiro passo é identificar a letra e associá-la ao som (consciência fonológica). É necessário ter uma boa discriminação visual e memória visual.

Quando as letras são muito parecidas, (“p”, “q”, “d”, “b), embora o som seja diferente só altera a posição redonda em relaçao à reta. Neste caso, a habilidade necessária é a visuo-espacial, sendo a causa de muitas inversões de letras.

A velocidade de leitura está associada à rota léxica que nos permite por intuição e de forma automática  ler a palavra sem a ler letra a letra. Quanto mais palavras são armazenadas no léxico mental, maior a velocidade de leitura porque o cérebro reconhece padrões visuais completos, ativando diretamente o significado e a pronúncia. Mas para que esta rota léxica seja eficaz é necessário que os movimentos oculares captem a informação e, embora não seja completa, é enviada ao cérebro para a completar usando o fecho visual e a memória léxica. Portanto, para um bom funcionamento da via léxica é crucial usar o fecho visual e a memória visual sequencial.

Para a compreensão da leitura, é necessário extrair, de uma quantidade de sinais visuais, a informação importante e para isso usamos a habilidade figura fundo. Para a captação da ideia principal usamos o fecho visual.

Como se podem avaliar estas habilidades?

O optometrista comportamental dispõe de ferramentas específicas que permitem avaliar e interpretar as competências visuais envolvidas na leitura, na escrita e na organização espacial. Este profissional atua de forma interdisciplinar, colaborando com educadores, terapeutas e psicólogos e a sua intervenção constitui uma valiosa aportação no contexto da dislexia, ao identificar disfunções visuais que frequentemente coexistem com dificuldades fonológicas e de processamento cerebral.

Intervenção Optométrica

  1. Terapia e treino visual: A terapia visual é uma abordagem não invasiva que utiliza exercícios, instrumentos e estímulos visuais para reeducar o sistema visuoperceptivo.
  2. Filtros especiais para a dislexia. São usados para reduzir a instabilidade visual e melhorar o conforto durante a leitura redzindo a sensação de letras embaralhadas, melhorando a fluência da leitura e diminuindo as dores de cabeça e a aversão à leitura.A escolha do filtro é feita com base em testes optométricos e na resposta subjetiva do paciente, respeitando a individualidade neurofuncional.

O optometrista comportamental atua em colaboração com psicopedagogos, terapeutas da fala e educadores, oferecendo uma intervenção multidisciplinar que respeita a complexidade da dislexia.

A terapia visual é indicada quando há:

  • Instabilidade binocular

  • Dificuldades nos movimentos ocular

  • Sintomas visuais que interferem na leitura, mesmo com boa acuidade visual

  • Alterações nas habilidades de perceção visual

Conclusão

Apesar dos estudos recentes evidenciarem problemas visuais associados à dislexia continua-se a nigligenciar a avaliação visual, dentro da abordagem multidisciplinar a realizar, perante um possivel diagnóstico de dislexia. Como resultado, os alunos não recebem o apoio de que precisam. Este problema estende-se a nivel emocional porque apesar da melhora fonológica, as crianças continuam a lutar contra dificuldades que podem ser colmatadas com um eficaz plano de terapia e treino visual. Alguns alunos são erróneamente diagnosticados como tendo baixa motivação e atenção, quando o esforço visual é a causa subjacente das suas  dificuldades de leitura, escrita e compreensão.

Sempre que houver suspeita de possíveis dificuldades no processo de aprendizagem, é imprescindível que os pais, professores e pediatras considerem a avaliação da componente visual. Recomenda-se que sejam agendadas consultas especializadas, que contemplem não apenas a análise das condições refrativas, mas também a avaliação detalhada das habilidades de percepção visual.

 

Referência da revista:

  1. Julia M. Carroll, Caroline Holden, Philip Kirby, Paul A. Thompson, Margaret J. Snowling. Rumo a um consenso sobre dislexia: resultados de um estudo Delphi. Jornal de Psicologia e Psiquiatria Infantil, 2025; DOI: 10.1111/jcpp.14123
  2. Besner D, Humphreys G. Basic processes in reading. Visual word recognition.Routledge, 1991.
  3. https://doi.org/10.1002/DYS.186

 

 

 

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