Definição atual da dislexia
Trata-se de um conjunto de dificuldades relacionadas com o processamento que afetam a aquisição de habilidades de leitura e escrita. Não há uma fórmula universal para a avaliação das crianças com dislexia; contudo, o diagnóstico deve ser multidisciplinar, garantindo uma abordagem abrangente que permita apoiar e melhorar as competências das crianças diante dos desafios enfrentados ao longo do seu percurso escolar.
Recente estudo pela Universidade de Birmingham
Segundo o recente estudo realizado pela Universidade de Birmingham e apoiado por mais de 58 especialistas internacionais, concordam que a natureza da dislexia depende das influências genéticas e ambientais afetando a fluência da leitura e escrita. Embora as habilidades fonológicas sejam as mais destacadas, outras habilidades, como matemática, compreensão e aprendizagem de outra lingua, podem estar comprometidas.
No entanto, as dificuldades fonológicas ( consciência fonológica, memória fonológica e velocidade de processamento fonológico) não explicam totalmente a dislexia. A memória de trabalho, a velocidade de processamento cerebral e as habilidades ortográficas podem contribuir para o impacto da dislexia.
A dislexia frequentemente coexiste com outras dificuldades de desenvolvimento, incluindo discalculia, PHDA, dificuldades visuais e de coordenação e linguagem.
Relação entre as dificuldades visuais e dislexia
Para muitas crianças e adultos disléxicos, as dificuldades visuais intensificam o esforço da leitura e compreensão mas não causam a dislexia. Disfunções visuais e as baixas habilidades da perceção visual podem coexistir com a dislexia exacerbando os sintomas ou podem até confundir levando a diagnósticos erróneos.
No Instituto NeuroVisão aparecem casos suspeitosos de dislexia mas que depois de passarem por uma exploração completa de todas as habilidades visuais demonstram disfunções plausíveis de tratar e que justificam a sintomatologia.
As multiplas faces da dislexia
No seguimento anterior, a definição da dislexia atual revela-nos como uma dificuldade fonológica mas que por si só não avalia a dislexia. Muitos indivíduos com dislexia apresentam problemas no processamento das informações visuais levando-os a que tenham uma perceção visual muito parecida com os sintomas da dislexia ( troca de letras ou números, redução da velocidade de leitura, dores de cabeça, erros ortográficos, entre outros).
Estudos recentes descobriram que 35% das crianças com dislexia tinham problemas de insuficiência acomodativa e 55% tinham insuficiência de convergência.
Cerca de 75% das pessoas disléxicas apresentam problemas na via magnocelular
John Stein (Universidade de Oxford)
A via magnocelular é a responsável pelo processamento da informação visual, dos movimentos oculares e no foco. Geralmente, as pessoas com dislexia, não processam rapidamente os movimentos oculares o que as faz ver as letras desorganizadas, sobrepostas, trocadas, com sombra e em movimento.
Um importante investigador, John Stein, diz-nos que em cerca de 75% dos disléxicos, os neurónios magnocelulares são menos desenvolvidos ou funcionam de forma menos eficiente, prejudicando a estabilidade binocular, a fuidez dos movimentos oculares e a sequência correta da letras na leitura.
“A dislexia não é apenas um problema fonológico — é um síndrome neurológico multifatorial, onde a visão, a audição e o equilíbrio sensorial desempenham papéis cruciais.”
Quais habilidades visuais são essenciais para a leitura?
É necessário entender as habilidades naturais do Ser Humano como interdependentes entre os diferentes sistemas sensoriais e portanto a função visual não pode ser dissociada das competências linguísticas motoras e emocionais. Qualquer alteração num dos sistemas impacta no resultado. Se algumas das habilidades visuais essenciais para a leitura está comprometida o resultado do processamento cerebral para a leitura está alterado, tornando-a dificil e desconfortável.
Algumas das habilidades visuais na leitura são as seguintes:
- Acuidade Visual ( nitidez do que se está a ver)
- Flexibilidade acomodativa ou foco ( permite alternar a visão longe/perto sem esforço e mantendo a nitidez)
- Movimento oculares (coordenação binocular essencial para seguir palavras e linhas sem erros)
- Visão periférica ( permite a leitura rápida e fluida)
- Perceção das cores ( especialmente util em diagramas e ilustrações)
- Discriminação visual (identificação de letras muito parecidas)
- Memória Visual (Reconheça palavras familiares sem precisar decodificá-las letra por letra)
- Memória sequencial (fundamental na compreensão de textos, matemática e assimilação do conteúdo)
- Visão espacial (permite visualizar os objetos em 3 dimensões)
- Constância perceptiva (permite identificar a mesma letra, número ou palavra independentemente do estilo de grafia)
- Fecho Visual (permite identificar uma palavra ou figura mesmo que esteja desfragmentada)
- Figura Fundo
Quando aprendemos a ler, o primeiro passo é identificar a letra e associá-la ao som (consciência fonológica). É necessário ter uma boa discriminação visual e memória visual.
Quando as letras são muito parecidas, (“p”, “q”, “d”, “b), embora o som seja diferente só altera a posição redonda em relaçao à reta. Neste caso, a habilidade necessária é a visuo-espacial, sendo a causa de muitas inversões de letras.
A velocidade de leitura está associada à rota léxica que nos permite por intuição e de forma automática ler a palavra sem a ler letra a letra. Quanto mais palavras são armazenadas no léxico mental, maior a velocidade de leitura porque o cérebro reconhece padrões visuais completos, ativando diretamente o significado e a pronúncia. Mas para que esta rota léxica seja eficaz é necessário que os movimentos oculares captem a informação e, embora não seja completa, é enviada ao cérebro para a completar usando o fecho visual e a memória léxica. Portanto, para um bom funcionamento da via léxica é crucial usar o fecho visual e a memória visual sequencial.
Para a compreensão da leitura, é necessário extrair, de uma quantidade de sinais visuais, a informação importante e para isso usamos a habilidade figura fundo. Para a captação da ideia principal usamos o fecho visual.
Como se podem avaliar estas habilidades?
O optometrista comportamental dispõe de ferramentas específicas que permitem avaliar e interpretar as competências visuais envolvidas na leitura, na escrita e na organização espacial. Este profissional atua de forma interdisciplinar, colaborando com educadores, terapeutas e psicólogos e a sua intervenção constitui uma valiosa aportação no contexto da dislexia, ao identificar disfunções visuais que frequentemente coexistem com dificuldades fonológicas e de processamento cerebral.
Intervenção Optométrica
- Terapia e treino visual: A terapia visual é uma abordagem não invasiva que utiliza exercícios, instrumentos e estímulos visuais para reeducar o sistema visuoperceptivo.
- Filtros especiais para a dislexia. São usados para reduzir a instabilidade visual e melhorar o conforto durante a leitura redzindo a sensação de letras embaralhadas, melhorando a fluência da leitura e diminuindo as dores de cabeça e a aversão à leitura.A escolha do filtro é feita com base em testes optométricos e na resposta subjetiva do paciente, respeitando a individualidade neurofuncional.
O optometrista comportamental atua em colaboração com psicopedagogos, terapeutas da fala e educadores, oferecendo uma intervenção multidisciplinar que respeita a complexidade da dislexia.
A terapia visual é indicada quando há:
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Instabilidade binocular
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Dificuldades nos movimentos ocular
-
Sintomas visuais que interferem na leitura, mesmo com boa acuidade visual
- Alterações nas habilidades de perceção visual
Conclusão
Apesar dos estudos recentes evidenciarem problemas visuais associados à dislexia continua-se a nigligenciar a avaliação visual, dentro da abordagem multidisciplinar a realizar, perante um possivel diagnóstico de dislexia. Como resultado, os alunos não recebem o apoio de que precisam. Este problema estende-se a nivel emocional porque apesar da melhora fonológica, as crianças continuam a lutar contra dificuldades que podem ser colmatadas com um eficaz plano de terapia e treino visual. Alguns alunos são erróneamente diagnosticados como tendo baixa motivação e atenção, quando o esforço visual é a causa subjacente das suas dificuldades de leitura, escrita e compreensão.
Sempre que houver suspeita de possíveis dificuldades no processo de aprendizagem, é imprescindível que os pais, professores e pediatras considerem a avaliação da componente visual. Recomenda-se que sejam agendadas consultas especializadas, que contemplem não apenas a análise das condições refrativas, mas também a avaliação detalhada das habilidades de percepção visual.
Referência da revista:
- Julia M. Carroll, Caroline Holden, Philip Kirby, Paul A. Thompson, Margaret J. Snowling. Rumo a um consenso sobre dislexia: resultados de um estudo Delphi. Jornal de Psicologia e Psiquiatria Infantil, 2025; DOI: 10.1111/jcpp.14123
- Besner D, Humphreys G. Basic processes in reading. Visual word recognition.Routledge, 1991.
- https://doi.org/10.1002/DYS.186
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